Faço
parte de uma geração de pessoas que iniciou a vida escolar na década de 1970
(ensino fundamental), passando na década de 1980 pelo ensino médio e no início
da década de 1990 pelo nível superior. Com seis, sete anos de idade começávamos
a ouvir a ladainha interminável e cotidiana de nossos pais a respeito do lugar
decisivo dos estudos na vida, era uma ladainha às vezes insistentemente chata,
às vezes dramática com falas maternas sobre perda de futuro para quem não
estuda, enfim, havia uma verdadeira obsessão de nossos pais com a tarefa dos
estudos. Minha mãe me obrigava com 10 anos de idade a ler dois livros por
semana. Depois que ganhei gosto e autonomia, não precisei que ela mandasse
mais, apesar de que ela continuava cobrando no mínimo três horas de estudos
todo santo dia, além das leituras que eram consideradas "por fora".
Na escola, quando fiz parte das minhas primeiras militâncias estudantis, a
diretoria do grêmio só tinha "fera", só tinha caxias nos estudos ou
então pessoas com paixão pela leitura, no mínimo. Éramos militantes do
"quadro de honra". Os melhores filhos da pequena burguesia ou de uma
classe média de pequenos funcionários públicos, como eu fui. Entre nós, havia
também filhos da classe média alta, também muito estudiosos, e todo mundo muito
animado com as possibilidades de construir uma sociedade democrática no Brasil,
as divergências ideológicas, partidárias, políticas, não tiram de nós esse pano
de fundo unificador. Estudar era o desafio da gente. Estudar muito, bem e com
afinco. Era quase uma mística. O modelo da pessoa estudiosa era admirado
coletivamente, era respeitado, cultuado até, havia certo elitismo nisso, como
não poderia deixar de ser, mas havia também um forte sentimento de que para
superar o Brasil do pistolão, nós teríamos que fazer o Brasil do mérito
funcionar, com todas as fantasias coletivas que aí se interpõem, isso não
deixava de alimentar uma forte corrente de moças e rapazes rebeldes, críticos,
reflexivos, alternativos, esquerdistas e, fortemente, dedicados e dedicadas aos
estudos. Não me envergonho dessa memória, apesar de não fazer uma apologia cega
do que há de pretensioso nisso, mas, por favor, gostaríamos de voltar a não ter
vergonha no nosso país de ensinar modelos de vida estudiosa para nossas
crianças. Hoje, é como se a gente precisa pedir licença para falar em estudo.
Temos que pisar em ovos, pois todas as acusações se voltam contra o valor da
educação e do ensino como valores de base. Alguém sabe por quê? O que aconteceu
que paramos de almejar ser uma nação que se destaca pela produção de
conhecimento, pelo estudo, pela inteligência? Por que tantas pessoas hoje ficam
ressentidas com os "intelectuais", tem raiva da
"arrogância" de quem estuda? Sem querer afirmar verdades absolutas,
compartilho essas inquietações com vocês.
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