Quão reveladora é a experiência de
ver, no site do TSE,
os nomes das empresas que “doaram” (com aspas enormes) dinheiro aos candidatos
e partidos em eleições passadas.* Ali há dados que explicam, senão tudo,
pelo menos muita coisa sobre o nosso processo político.
Vejamos: ao possuir, em sua lista de doadores, Gerdaus, Deltas,
Klabins, Ipirangas, Bunges, Suzanos e afins, quais as chances de que, diante do
impasse entre o interesse de um desses grupos econômicos e o interesse público,
um político fique com a segunda opção? Dando um exemplo muito comum, mas nem
por isso menos absurdo: a Construtora Y doa R$ 400.000,00 à campanha a prefeito
do Sr. Fulano. Caso ele seja eleito, alguém duvida de que a construtora terá,
sob a forma de contratos, o retorno do valor investido, ainda que estes não
sejam vantajosos aos cofres públicos? Sim, porque “empresa
não vota, empresa investe, e uma hora a fatura será cobrada”,
diria Renato Roseno, candidato à prefeitura de Fortaleza pelo PSOL.**
Fica muito claro, então, o quanto aceitar doações de empresas é
inconciliável com o interesse popular. O candidato que recebe esse tipo de
recurso indica, desde muito cedo, a que lado pertence. Ora,
e não venha me dizer que “não há lados” ou que “não é preciso escolher”. Bobagem. Claro que há campos
antagônicos, e as desigualdades sociais estão aí pra mostrar isso. Na briga
entre a lebre e o lince, se você “não escolhe” um lado, é claro que você está
ajudando o mais forte, neste caso, o lince predador.
Aliás, falando em lados, como alguém brilhantemente já observou,
políticos deveriam vir iguaizinhos a pilotos de Fórmula 1: com
os nomes dos seus patrocinadores estampados na roupa, pra gente poder saber
claramente — para muito além dos seus discursos treinados e campanhas caras —
quem eles realmente representam e a quem efetivamente servirão quando eleitos.
Nesses dias, li no twitter da Andréa Saraiva: “Como
pode um candidato não aceitar dinheiro de empresas, como pode não fechar
aliança em troca de minutos na TV? Os incomodados, a velha política, chama isso
de ‘arrogância’. Nós chamamos de coerência”. Os pontos levantados por essa reflexão
formam a base do meu voto no Renato Roseno. Concordo que, à primeira vista,
parece absurdo, impensável, ilógico — “ingênuo”, dizem os cínicos — romper com
práticas que, apesar de ferirem completamente os direitos das maiorias sociais,
viraram algo aceitável e, pior ainda, “natural”. Cabe então uma outra pergunta:
o fato de que tenha sido dessa forma até agora nos obriga a aceitar que
continue assim? Eu não sei você, mas eu não aceito. Não
me rendo. De verdade. E,
sobre essa questão do possível x impossível, transcrevo abaixo um pensamento
interessante do filósofo esloveno Slavoj Zizek:
[“A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje?
Basta seguir os meios de comunicação. Por um lado, na tecnologia e na
sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se
imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra
coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase
tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos?
Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro
para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado
totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais,
mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.”]
Assim como Zizek, me recuso a concordar com a falácia de que é
impossível porque é. “Pois nada deve parecer natural; nada
deve parecer impossível de mudar” — aqui tomo emprestadas algumas
palavras de Bertolt Brecht que têm sido um dos mantras da bela campanha de
Roseno. E como bem observou Toinha Rocha, candidata a vereadora pelo PSOL,
“Fortaleza não tem controle remoto. Você tem que levantar, lutar, votar e
MUDAR”. Pois bem, eu me sinto diretamente responsável por essa mudança,
que, antes de tudo, passa pela alteração da nossa percepção. Precisamos
trocar a descrença e a apatia pela convicção em nossos ideais e pela ação.
Por isso, eu queria propor um pequeno desafio, independentemente
de quem sejam os seus candidatos a prefeito e vereador: peça-lhes (aliás,
exija. É seu direito, rapáh!) que divulguem as prestações de contas, tantos as
suas quanto as dos seus comitês financeiros e direções partidárias, antes das
eleições do dia 07 de outubro. Isso é o mínimo que eles devem fazer pra ser
dignos do seu voto, pra ter direito a entrar no páreo pela sua confiança. Caso haja alguma empresa nesses relatórios,
desconfie e pense sobre o que seu voto poderá significar (observe também se há
pessoas físicas doando valores muito altos. Já vi doações de, pasme!, R$
800.000,00 ou mais vindos de uma única pessoa física). É que, neste caso, são
altas as chances de que tais candidatos estejam alinhados com os propósitos
daquela minoria silenciosa que, há tempos, controla os cordões da política e da
economia, e não com os interesses da maioria da população. É
isso o que você quer pra sua cidade? E indo um pouco além: são esses tipos de
relações que você quer pra sua vida e pro mundo?
* Dá pra ver, no site do TSE, os doadores dos candidatos e
partidos até 2010. Infelizmente, a lei eleitoral ainda não obriga que essa
prestação de contas seja feita durante a campanha, só exigindo que isso seja
realizado depois de concluídas as eleições. O problema é que aí já é tarde
demais.
** A campanha do Renato Roseno não aceita doações de empresas,
apenas de pessoas físicas. A prestação de contas é feita e publicada
semanalmente em renatoroseno.com.br
FONTE: Fortaleza Insurgente
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