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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A QUEM SERVE O SEU CANDIDATO?


Quão reveladora é a experiência de ver, no site do TSE, os nomes das empresas que “doaram” (com aspas enormes) dinheiro aos candidatos e partidos em eleições passadas.* Ali há dados que explicam, senão tudo, pelo menos muita coisa sobre o nosso processo político.
Vejamos: ao possuir, em sua lista de doadores, Gerdaus, Deltas, Klabins, Ipirangas, Bunges, Suzanos e afins, quais as chances de que, diante do impasse entre o interesse de um desses grupos econômicos e o interesse público, um político fique com a segunda opção? Dando um exemplo muito comum, mas nem por isso menos absurdo: a Construtora Y doa R$ 400.000,00 à campanha a prefeito do Sr. Fulano. Caso ele seja eleito, alguém duvida de que a construtora terá, sob a forma de contratos, o retorno do valor investido, ainda que estes não sejam vantajosos aos cofres públicos? Sim, porque “empresa não vota, empresa investe, e uma hora a fatura será cobrada”, diria Renato Roseno, candidato à prefeitura de Fortaleza pelo PSOL.**
Fica muito claro, então, o quanto aceitar doações de empresas é inconciliável com o interesse popular. O candidato que recebe esse tipo de recurso indica, desde muito cedo, a que lado pertence. Ora, e não venha me dizer que “não há lados” ou que “não é preciso escolher”. Bobagem. Claro que há campos antagônicos, e as desigualdades sociais estão aí pra mostrar isso. Na briga entre a lebre e o lince, se você “não escolhe” um lado, é claro que você está ajudando o mais forte, neste caso, o lince predador.
Aliás, falando em lados, como alguém brilhantemente já observou, políticos deveriam vir iguaizinhos a pilotos de Fórmula 1: com os nomes dos seus patrocinadores estampados na roupa, pra gente poder saber claramente — para muito além dos seus discursos treinados e campanhas caras — quem eles realmente representam e a quem efetivamente servirão quando eleitos.
Nesses dias, li no twitter da Andréa Saraiva: “Como pode um candidato não aceitar dinheiro de empresas, como pode não fechar aliança em troca de minutos na TV? Os incomodados, a velha política, chama isso de ‘arrogância’. Nós chamamos de coerência”. Os pontos levantados por essa reflexão formam a base do meu voto no Renato Roseno. Concordo que, à primeira vista, parece absurdo, impensável, ilógico — “ingênuo”, dizem os cínicos — romper com práticas que, apesar de ferirem completamente os direitos das maiorias sociais, viraram algo aceitável e, pior ainda, “natural”. Cabe então uma outra pergunta: o fato de que tenha sido dessa forma até agora nos obriga a aceitar que continue assim? Eu não sei você, mas eu não aceito. Não me rendo. De verdade. E, sobre essa questão do possível x impossível, transcrevo abaixo um pensamento interessante do filósofo esloveno Slavoj Zizek:
[“A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje? Basta seguir os meios de comunicação. Por um lado, na tecnologia e na sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.”]
Assim como Zizek, me recuso a concordar com a falácia de que é impossível porque é. “Pois nada deve parecer natural; nada deve parecer impossível de mudar” — aqui tomo emprestadas algumas palavras de Bertolt Brecht que têm sido um dos mantras da bela campanha de Roseno. E como bem observou Toinha Rocha, candidata a vereadora pelo PSOL, “Fortaleza não tem controle remoto. Você tem que levantar, lutar, votar e MUDAR”. Pois bem, eu me sinto diretamente responsável por essa mudança, que, antes de tudo, passa pela alteração da nossa percepção. Precisamos trocar a descrença e a apatia pela convicção em nossos ideais e pela ação.
Por isso, eu queria propor um pequeno desafio, independentemente de quem sejam os seus candidatos a prefeito e vereador: peça-lhes (aliás, exija. É seu direito, rapáh!) que divulguem as prestações de contas, tantos as suas quanto as dos seus comitês financeiros e direções partidárias, antes das eleições do dia 07 de outubro. Isso é o mínimo que eles devem fazer pra ser dignos do seu voto, pra ter direito a entrar no páreo pela sua confiança. Caso haja alguma empresa nesses relatórios, desconfie e pense sobre o que seu voto poderá significar (observe também se há pessoas físicas doando valores muito altos. Já vi doações de, pasme!, R$ 800.000,00 ou mais vindos de uma única pessoa física). É que, neste caso, são altas as chances de que tais candidatos estejam alinhados com os propósitos daquela minoria silenciosa que, há tempos, controla os cordões da política e da economia, e não com os interesses da maioria da população. É isso o que você quer pra sua cidade? E indo um pouco além: são esses tipos de relações que você quer pra sua vida e pro mundo?

* Dá pra ver, no site do TSE, os doadores dos candidatos e partidos até 2010. Infelizmente, a lei eleitoral ainda não obriga que essa prestação de contas seja feita durante a campanha, só exigindo que isso seja realizado depois de concluídas as eleições. O problema é que aí já é tarde demais.
** A campanha do Renato Roseno não aceita doações de empresas, apenas de pessoas físicas. A prestação de contas é feita e publicada semanalmente em renatoroseno.com.br 
FONTE: Fortaleza Insurgente

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