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domingo, 14 de julho de 2013

O CONGRESSO ACORDOU?

O Congresso acordou?

Chico Alencar - O Globo - 14/07/2013



O ritmo frenético, desta vez, não é o das festas juninas: os parlamentares do Congresso Nacional empreendem dinâmica diferente da habitual, nesta época do ano. Plenários cheios, no Senado e na Câmara, aprovam projetos que dormiam nas gavetas ou tramitavam em lentidão bovina.  O clamor das praças reverberou nos palácios, também do Executivo e do Judiciário. Oxigênio na nossa insuficiente democracia.


É verdade que se vota, muitas vezes, uma aparência de solução. Corrupção tornou-se  crime “hediondo” mas dificilmente o rigor penal chegará aos  “colarinhos brancos”. Projetos para acelerar o trâmite judicial dos inquéritos sobre esses delitos não foram apreciados. Reconheçamos, porém, a eficácia da destinação de mais recursos para educação e saúde, derivados da exploração do petróleo, e o acesso público a informações sobre revisão das tarifas do transporte coletivo. Privilégios da Fifa começaram a ser questionados pelos mesmos que aprovaram, ano passado, a Lei Geral da Copa e o Regime Diferenciado de Contratações que garantiam seus interesses – e o das empreiteiras de estádios faraônicos.

Houve também “redução de danos”, mantendo-se os poderes investigativos do Ministério Público, com a derrubada da PEC 37, e retirando-se de tramitação o projeto retrógrado conhecido como “cura gay”. Prosperam as iniciativas para se instituir o voto aberto dos congressistas, ao menos nos casos de apreciação de cassação de mandatos, podendo se chegar à totalidade das situações. Afinal, os representados têm o direito de saber como seus representantes votam, sempre. A “pauta das ruas” das duas Casas abriga cerca de 15 propostas, no âmbito da mobilidade urbana, da transparência administrativa, da participação popular, da segurança pública, dos direitos sociais e da descentralização de recursos. Enquanto ecoar o clamor popular, continuarão sendo aprovadas.

Além das votações, discursos se sucedem, elogiosos ao “gigante que acordou”. No início de junho, muitas reações aos primeiros protestos vinham no tom condenatório às “minorias agitadoras”. A massificação das manifestações gerou conversões súbitas, atualizando Larochefoucauld: “a hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude”.

Mas o abismo entre a população e seus representantes não está superado. A Reforma Política dificilmente avançará por iniciativa dos beneficiários do sistema que privatiza a política e reproduz mandatos colonizados. Também aí as iniciativas populares de lei e a mobilização social precisam continuar a incidir.

“O Brasil não tem povo, tem público”, proclamou, desencantado, Lima Barreto, há um século. Os tempos atuais parecem contrariar o irrequieto escritor carioca. Resta saber se esse estado de atenção cidadã e o grito da cobrança direta vão perdurar. O “gigante” pode voltar a adormecer. Tomara que agora com sono leve, pronto para acordar a qualquer momento... Só na pressão avançaremos na renovação da nossa República. Como diziam muitos cartazes nas praças brasileiras, “país mudo não muda!”.

*Chico Alencar é professor de História e deputado federal (PSOL/RJ)

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